sábado, 24 de março de 2012

Não me perguntes porquê

Até depois

Ainda não era o momento, não se sentiam preparadas; mesmo depois das intermináveis conversas sussurradas, das longas noites de amor, das promessas e juramentos de coragem. A ânsia de sair porta fora e gritar ao mundo que sim, era tudo verdade, era enorme, contudo havia demasiados aspectos que as prendiam ao chão, impedindo.as de o fazer.
O que sentiam uma pela outra não era novo, mas também não conseguiam precisar bem a sua origem. Tudo nascera de uma amizade banal, de colegas, e crescera de forma vertiginosa e aparentemente inexplicável. Quando deram por si já nada eram do que em tempos tinham sido e não havia retorno possível. Amavam.se.
Ambas mantinham outras relações, talvez como forma de se defenderem do preconceito e dos olhares incisivos, que quase poderiam perfurá.las se as atingissem. No entanto, eram relações dolorosas, pautadas por uma obrigação muda mas incontornável.
Naquela noite, tinham dormido juntas, envolvidas uma na outra; tinham depois acordado e tomado o pequeno almoço em silêncio, como se temessem que o mínimo murmúrio as denunciasse.
O toque do telefone acabou por defraudar a quietude daquelas quatro paredes e ambas hesitaram antes de atenderem a chamada. Quando uma delas o fez, a voz falhou.lhe, devido ao tempo que havia permanecido em silêncio, e teve de tossicar para recuperar a clareza. Desligou pouco tempo depois, sem quase ter proferido uma palavra. Era engano.
As lágrimas começaram a inundar.lhe o rosto, caindo numa cascata violenta e incansável. Tinha acabado de se aperceber de que nunca poderiam respirar livremente, nunca poderiam pisar com completa segurança as pedras imundas e vulgares da calçada.
Muitos telefones tocariam ainda, fazendo despertar o desassossego que tão convictamente tentavam evitar; muitos telefones interromperiam os olhares transparentes e brilhantes que trocavam; muitos telefones contribuiriam para que não pudessem tornar aquele sonho realidade.
Aproximaram.se uma da outra, deram as mãos e, juntas, choraram por tudo aquilo que até ali tinham vivido e por tudo aquilo que nunca poderiam viver. No dia seguinte, jaziam ambas no chão frio, lado a lado.
Aquela partida não era uma desistência, mas antes um passaporte para um sítio melhor, onde não ouviriam o toque constante do telefone.

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