terça-feira, 31 de outubro de 2017

A primeira vez que comi miso foi em França, num restaurante perto de minha casa, e não sendo Bailly Almada, o único estabelecimento aberto onde por pouco mais de um euro poderia comer uma refeição quente sem ter de a cozinhar eu própria.
Algumas vidas mais tarde foi quando tu me perguntaste se eu sabia o que era e se poderia fazer para ti. Claro que respondi que sim. Por ti faria tudo, embora tu não o saibas.
Esperei pelas férias, e depois ainda pelas folgas, e fui com as minhas amigas ao mercado asiático do Martim Moniz. Tinha uma pequena ideia dos ingredientes que deveria comprar, e com a ajuda do senhor que lá estava, enchi um saco, acabando por gastar ainda além do que tinha planeado.
Nessa noite, fiz a primeira experiência para as minhas amigas. Meticulosamente, fiz uma enorme panela de sopa miso. Saiu perfeita. Perfeitamente nojenta. Tirei fotos, enviei-tas. As minhas amigas gozavam comigo por estar apaixonada por uma criança. Fiquei embaraçada, não pela tua idade, mas pela minha. Com o quão facilmente me havia apaixonado com aquela idade.
Não me lembro de quando é que isto aconteceu. A maior parte dos ingredientes que comprei ainda subsistem no frigorífico e na dispensa, embora agora pareçam já partes integrantes deles. Não verifiquei ainda os prazos de validade. Tenho medo que sejam denunciadores de há quanto tempo te amo cobardemente sem to confessar. Enquanto a tua minoridade foi desculpa, a culpa que eu sentia era menor. Agora já não há nada que me impeça de chegar a ti, ou pelo menos tentar. Excepto a minha própria cobardia.

domingo, 23 de julho de 2017

Quando a Sara veio a Portugal esforcei-me tanto para estar com ela, para a fazer feliz, para me fazer feliz a mim. Não senti nada.
Quando Portugal foi campeão europeu, não senti nada. Quando a equipa feminina de futebol do Sporting fez a dobradinha não senti nada. Quando o Salvador ganhou a Eurovisão, não senti nada. Quando conheci o Rui Patrício não senti nada. Quando ele me deu a camisola do corpo dele não senti nada. Quando a minha primeira tradução foi aceite para ser publicada não senti nada. Comprei mil laços e mil camisolas do Sporting e o traje da faculdade e mil emblemas para lá coser e um arco de violino e um arco para bordar e um cachimbo e um chapéu e uma faixa e um casaco de baseball e um Patamon e um fio de prata e fiz uma camisola para um boneco e pintei mil quadros e esculpi um gato e não senti nada. Se o Sporting ganhasse a Champions não sentiria nada. Se visse os The Killers na primeira fila não sentiria nada. Tenho medo de que se pegasse o Edgar ou a Adele ao colo agora mesmo não sentisse nada. As minhas páginas nas redes sociais estão cheias de fotos a fingir que sinto coisas.
Quando a Marta, o meu primeiro amor, desde a pré-primária, por quem eu era e ainda sou completamente apaixonada, me convida para ir beber um café ou sair, eu não quero despir o pijama, eu não quero tomar banho, eu não quero vestir-me, eu não quero escovar os dentes, eu não quero andar, eu não quero conduzir, eu não me quero mexer.
Eu não quero ir à faculdade, nunca, mesmo quando as aulas são sobre o Harry Potter ou o Rocky Horror ou o Star Wars. Eu não quero ir ensaiar, eu não quero ir aos concertos, não quero pisar um palco. Eu não quero ir trabalhar, mesmo quando dou aulas à Andreia ou ao João ou à Laura, ou a qualquer um deles.
Não quero ler o meu livro preferido nem ver o Rent, nem ler nenhum outro livro nem ver nenhum outro filme. Não quero tocar guitarra, nem baixo, nem ukulele, nem piano. Não quero ver televisão, nem o Friends, nem jogar Playstation, embora possa comprar qualquer jogo que queira. Não quero cozinhar, não quero comer nada, nem infinitas sapateiras ou choco frito ou gomas ou o que seja. Não quero ouvir o novo álbum dos The Killers. Não quero ir à Islândia, nem a Inglaterra, nem à Holanda, nem ao Japão, nem a Las Vegas, ou qualquer outro país ou cidade. Eu não quero ir a Alvalade ver o Sporting jogar. Não quero brincar com os meninos, não quero jogar à bola.
Eu não quero ver ninguém, eu não quero que ninguém me veja a mim. Eu não quero a Rita, nem a Tatiana, nem a Catarina. Eu não quero a Kika e muito menos os outros. Eu não quero ser. Eu não quero estar. Mas sou cobarde demais para tentar mudar isto, seja de que maneira for.
Não quero beber água, não quero fazer exercício, não quero comer melhor.

Não: não quero nada
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

(...)

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Álvaro de Campos

Dói-me. A barriga, as costelas, o pescoço, a cabeça, o peito, as pernas, os braços, a alma, as costas, infinitamente, as costas.

Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.


Álvaro de Campos

Não durmo. Não durmo. Não durmo. Isto também disse o Álvaro de Campos, mas desta vez sou eu que estou a dizer.
Só choro e não respiro. E dói. Isto soa a Álvaro de Campos.
E isto não tem, efectivamente, solução nem luz ao fundo do tunel. Que tunel? É um buraco negro.
Estou cansada de existir, e cansada demais para continuar a escrever. Ontem estive quase até às 6 da manhã a chorar e hoje adivinha-se o mesmo. Eu diria que desisto, mas isso já foi há tanto tempo que já nem me recordo.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

É muito dificil amar-te.
Conseguiste fazer-me esquecer o fantasma que me assombrava há anos. Mas a que custo? Agora és tu quem me assombra.
Deixar-te foi das coisas mais difíceis que alguma vez fiz. Não foi que eu não conseguisse suportar a dor ou a perda, a isso eu já estou mais que habituada. O dificil é dizer que não à parte de mim que ainda te quer, mesmo depois de tudo o que tu me fizeste. A parte que se justifica por ti, que me diz que eras muito nova e estavas assustada, e que se calhar agora estás diferente, e que tenta convencer a outra parte de mim a procurar-te, que quer saber se sou só eu, ou se a tua barriga também fica tonta quando te lembras daquela noite no meu carro em que me sugaste as palavras que, afinal, te assustavam tanto.
Normalmente é fácil fingir que não existes nem nunca exististe, à semelhança de Jennies e outras merdas. Não há memória tua, ninguém que te refira casualmente numa conversa. Não há qualquer rasto de que tenhas passado por mim, por esta cama, excepto o vazio que deixaste.
Se eu soubesse...

Mas sabes porque é que escrevi isto? No momento mais inconveniente de todos, ou quase. Como uma purga, uma catarse. Preciso de livrar-me do choque que o teu toque deixou no meu corpo e que ainda me percorre quando me lembro de como era sentir as tuas mãos em mim.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Okay, tenho uma coisa que tenho de dizer (e quando temos uma coisa que temos de dizer temos de começar sempre por "Okay", não sei bem porquê).
Dirigir-me-ei directamente a ti porque: primeiro, acho que não está aqui mais ninguém; e segundo, porque a mais ninguém interessa isto que tenho de dizer (se é que a ti interessa de todo).
Isto do tempo há já muitos anos que me incomoda. Ainda era eu mais pequenina do que tu e já andava exactamente como ando agora: sem caminho, sem saber por onde ir ou para onde me virar, e dividida entre querer que o tempo passe e pare. Um paradoxo como os que te ensinei.
Isto tem tudo muita piada para mim, acredita. Roça o ridículo e, ridiculamente, é a única coisa que me acelera o coração no bom sentido. E eu não posso virar as costas a isso, pois não? Mesmo que por agora seja só platónico e mesmo que não venha nunca a ser nada, porque eu posso fartar-me (dizem que os Arianos só gostam desta parte, mas eu acho que sou especial) ou porque, na verdade, tu não queres mesmo. Independentemente, tenho de esperar. Não porque, como dizem os outros, eu "não posso" ou "não devo" ou o caralho que os foda. Tenho de esperar porque te respeito, me respeito e nos respeito, mesmo que nunca passemos disto. Porque na verdade isto que temos é muito, muito bonito. E se nunca passar disto, lembrar-me-ei sempre, e eu sei que digo isto muitas vezes, mas conheço-me bem e sei que é verdade, por isso é que o meu (nosso?) filho vai chamar-se Daniel. Poderia dar o teu nome a minha filha, e porque não? É tão bonito quanto tu. E se for nalguma coisa como tu, serei uma mãe muito orgulhosa, tal como hoje sou professora.
Enfim, ridiculo, como todas as cartas de amor são, ridículas. Um dia espero mostrar-te isto tudo, sei que te faria sorrir e talvez, se te sentisses no mood, gozar um bocadinho comigo como já fazes às vezes.
Há tempos, tinhas destruído todas as minhas esperanças quando eu quis tirar as teimas sem me denunciar. Mas hoje vi os teus olhos iluminarem-se ao ver-me, talvez tanto quanto os meus foram surpreendidos ao ver-te a ti. Confesso que me derreti só de saber que estavas perto e tudo o que não funcionava, passou a funcionar. A professora, que já tinha picado o ponto para a saída, voltou em força, para que me ouvisses por entre as paredes, ensinando apaixonadamente, como faço quando estou contigo.
Tu ensinaste-me a mim a ter paixão por isto que faço. A ser boa nisto que faço. Por ti, para ti, mas não só. Porque tu, e os outros como tu, merecem o melhor de mim. Para que consigamos extrair o melhor de vós. Para que isto tudo não seja igual daqui a 10 ou 20 anos. E se continuares do meu lado, assim ou de outro modo, poderei sempre dizer, orgulhosamente, que chegámos aqui juntas.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Não faço ideia porque é que Deus te colocou no meu caminho tão cedo. Ou de todo.
Já há muito tempo que aprendi que ele põe e tira as pessoas nas nossas vidas para que aprendamos alguma lição. A questão, a importante e incontornável questão, é que tu ainda não aprendeste lição nenhuma.
Se eu recomeço sempre do início mas com a lição aprendida, estou destinada a que o fim seja invariavelmente o mesmo. Dolorosamente invariável.
Desta vez sei que exagerei, eu sei. Mas não pude evitar, nem quando a Catarina ainda andava por aí às vezes. E se isto eventualmente correr da maneira que eu gostava que corresse, nunca me vou esquecer do dia em que chovia e te ofereceste para me levar contigo debaixo do teu guarda-chuvas mas eu mandei-te embora porque ela estava à minha espera à chuva.
Mas nada tem corrido como era suposto, nem isto hoje está a correr de maneira minimamente com sentido. Afinal, nada nisto faz sentido, não é? Eu vou continuar igual, pois não há absolutamente nada que eu possa fazer para mudar a nossa situação actual.
Entretanto, voute ensinando todas as lições que conseguir, dividida entre não querer que o tempo passe para te ter perto de mim e querer que o tempo voe para, pelo menos, tirar as teimas de vez e, se tu quiseres, ensinar-te tudo aquilo que hoje ainda não posso ensinar.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Penso em ti sempre, pelo menos uma vez por ano.
Ou todos os dias, como dizem, com razão, todos os meus amigos. Ou pelo menos assim era até aparecer a Catarina. Mas a Catarina já não está em lado nenhum onde se possa ver ou sentir ou cheirar e tarde demais assim o é.
A Mariana diz que sofremos sempre o primeiro. A mim assusta-me o quanto ainda volto a ti quando tu já me riscaste da tua vida há tantos anos.
E se por um lado me sinto bem no papel do eterno e leal apaixonado, custa-me, mais que tudo nesta vida, sentir que não tenho maneira de escapar a este destino e que a ele estou presa para sempre.
Com mil caralhos.
Houve já tempos em que me achei fora da tua prisão, mas agora, Janeiro como há todos os anos, é como se fosse ouro caído num poço, que tem valor mas ninguém se atreve a tentar pegar.
Racionalmente, não busco e expilo todas as hipóteses, mas inconscientemente procuro, virando-me e tornando selvaticamente, gritando, pedindo uma mão, uma qualquer. Apenas uma disposta a tirar-me daqui e seguir o mesmo caminho que eu quero seguir.
Quando me farto e me deixo desabafar com os poucos ouvidos que restam para verdadeiramente me escutar, recebo respostas tranquilizadoras, crentes de que o poço não é assim tão fundo e que só não salto sozinha porque não quero, mas que se realmente esperar por ajuda, ela virá. Eu não acredito. Sinceramente, não.
Quando estava contigo, custava-me tanto compreender certas coisas, como o conformismo ou o divórcio. Como se o amor não fosse tão fácil e tão acessível e tão bom. Mas não é. Porra, não é mesmo nada. É um enorme bacamarte pelo cu acima.
Hoje tenho 24 anos, duas fucking dúzias. Brevemente terei 25, um quarto de século. É ridiculo achar e sentir que a minha vida já acabou mas cada vez me convenço mais que sim. Que acabou há já quase 5 anos e que não voltará a reerguer-se de maneira nenhuma. Faça o que fizer.