domingo, 23 de julho de 2017

Quando a Sara veio a Portugal esforcei-me tanto para estar com ela, para a fazer feliz, para me fazer feliz a mim. Não senti nada.
Quando Portugal foi campeão europeu, não senti nada. Quando a equipa feminina de futebol do Sporting fez a dobradinha não senti nada. Quando o Salvador ganhou a Eurovisão, não senti nada. Quando conheci o Rui Patrício não senti nada. Quando ele me deu a camisola do corpo dele não senti nada. Quando a minha primeira tradução foi aceite para ser publicada não senti nada. Comprei mil laços e mil camisolas do Sporting e o traje da faculdade e mil emblemas para lá coser e um arco de violino e um arco para bordar e um cachimbo e um chapéu e uma faixa e um casaco de baseball e um Patamon e um fio de prata e fiz uma camisola para um boneco e pintei mil quadros e esculpi um gato e não senti nada. Se o Sporting ganhasse a Champions não sentiria nada. Se visse os The Killers na primeira fila não sentiria nada. Tenho medo de que se pegasse o Edgar ou a Adele ao colo agora mesmo não sentisse nada. As minhas páginas nas redes sociais estão cheias de fotos a fingir que sinto coisas.
Quando a Marta, o meu primeiro amor, desde a pré-primária, por quem eu era e ainda sou completamente apaixonada, me convida para ir beber um café ou sair, eu não quero despir o pijama, eu não quero tomar banho, eu não quero vestir-me, eu não quero escovar os dentes, eu não quero andar, eu não quero conduzir, eu não me quero mexer.
Eu não quero ir à faculdade, nunca, mesmo quando as aulas são sobre o Harry Potter ou o Rocky Horror ou o Star Wars. Eu não quero ir ensaiar, eu não quero ir aos concertos, não quero pisar um palco. Eu não quero ir trabalhar, mesmo quando dou aulas à Andreia ou ao João ou à Laura, ou a qualquer um deles.
Não quero ler o meu livro preferido nem ver o Rent, nem ler nenhum outro livro nem ver nenhum outro filme. Não quero tocar guitarra, nem baixo, nem ukulele, nem piano. Não quero ver televisão, nem o Friends, nem jogar Playstation, embora possa comprar qualquer jogo que queira. Não quero cozinhar, não quero comer nada, nem infinitas sapateiras ou choco frito ou gomas ou o que seja. Não quero ouvir o novo álbum dos The Killers. Não quero ir à Islândia, nem a Inglaterra, nem à Holanda, nem ao Japão, nem a Las Vegas, ou qualquer outro país ou cidade. Eu não quero ir a Alvalade ver o Sporting jogar. Não quero brincar com os meninos, não quero jogar à bola.
Eu não quero ver ninguém, eu não quero que ninguém me veja a mim. Eu não quero a Rita, nem a Tatiana, nem a Catarina. Eu não quero a Kika e muito menos os outros. Eu não quero ser. Eu não quero estar. Mas sou cobarde demais para tentar mudar isto, seja de que maneira for.
Não quero beber água, não quero fazer exercício, não quero comer melhor.

Não: não quero nada
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

(...)

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Álvaro de Campos

Dói-me. A barriga, as costelas, o pescoço, a cabeça, o peito, as pernas, os braços, a alma, as costas, infinitamente, as costas.

Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.


Álvaro de Campos

Não durmo. Não durmo. Não durmo. Isto também disse o Álvaro de Campos, mas desta vez sou eu que estou a dizer.
Só choro e não respiro. E dói. Isto soa a Álvaro de Campos.
E isto não tem, efectivamente, solução nem luz ao fundo do tunel. Que tunel? É um buraco negro.
Estou cansada de existir, e cansada demais para continuar a escrever. Ontem estive quase até às 6 da manhã a chorar e hoje adivinha-se o mesmo. Eu diria que desisto, mas isso já foi há tanto tempo que já nem me recordo.