domingo, 1 de janeiro de 2012

Foi durante a noite que escrevi o poema. Acordei inquieto, estremunhado, fiquei numa sonolência lúcida e, aos borbotões, os versos, na imprevisibilidade do minério arrancado às trevas da mina, começaram a surgir à tona do silêncio, alguns já estremados, puros, outros ainda agarrados ao cascalho. Depois, a razão clarificadora acudiu à inspiração tumultuosa, britou, peneirou, lavou, ordenou, e as pepitas ficaram articuladas de tal maneira que acabaram por formar um todo coeso, harmonioso e autónomo:


No silêncio da noite em que eu te falo
Como através dum ralo
De confissão.
Auscultadores impessoais e atentos,
Os teus ouvidos são
Ermos abertos para os meus tormentos.

Sem saber o teu nome e sem te ver
- Juiz que ninguém pode corromper -
Murmuro-te os meus versos, os pecados,
Penitente e seguro
De que serás um búzio do futuro,
Se os poemas me forem perdoados.


No silêncio da noite em que eu te falo.


E assim tenho passado o dia com elas no ouvido, numa exaltação secreta, estranhamente optimista, menos vulnerável aos empurrões da multidão, feliz sem o dar a entender.

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