domingo, 5 de maio de 2013


A enfermidade descuida sempre dos deveres a que a saúde nos obriga. Não somos nós próprios se a natureza oprimida ordena ao espírito que sofra com o corpo. Terei paciência. Fui precipitada julgando que estava em perfeito equilíbrio uma mulher indisposta e doente. Não te repreenderei. Deixemos que a desgraça venha quando vier, eu não a chamo. Não pedirei ao raio que te fulmine. Não contarei histórias a teu respeito ao Juiz supremo, Júpiter. Emenda-te quando puderes, sê melhor à tua vontade. Eu posso ser paciente. Pensais que vou chorar? Não, não chorarei. Tenho todas as razões para chorar mas este coração despedaçar-se-á em cem mil pedaços antes que as minhas lágrimas vertam.
Oh, meu pobre coração! Coração que me queres saltar, calma! Tu apenas me recordas da minha própria impressão. Seja! Então que a tua sinceridade seja o teu dote. Abdico de todo o meu carinho, e doravante, hás de ser para sempre uma estranha ao meu coração e a mim. Encontre eu paz no túmulo como aqui lhe retiro o coração. Que esse orgulho a que ela chama franqueza case com ela! Que todas as vinganças acumuladas nos céus se abatam sobre a sua cabeça ingrata! Ingratidão! É como se a boca mordesse a mão que a alimenta! Melhor seria que nunca tivesses nascido!
Envergonho-me que tenhas o poder de assim abalares o meu ânimo. Que estas lágrimas escaldantes que a força me são arrancadas te façam digna delas! Velhos olhos tontos, se de novo chorardes por isto, eu arranco-vos e lanço-vos com a água que verteis para amolecer o barro!
Ouve natureza, ouve, deusa querida, escuta! Suspende os teus desígnios se tencionavas tornar fecunda esta criatura. Que o seu ventre se torne estéril! Que sequem os seus órgãos de fecundidade! Que do seu corpo degenerado jamais nasça uma criança para a honrar! Mas se jamais ela conceber, gera o fruto do seu ventre com fel, para que seja perverso e cruel e que seja para ela causa de inquietação e tormento. Que esculpa rugas na sua jovem fronte e faça brotar lágrimas que sulquem o seu rosto! Que todos os deveres e cuidados da maternidade se tornem para ela em motivo de escárnio e desprezo para que possa sentir na sua carne como é mais dilacerante do que um dente de serpente ter um filho ingrato!
Estes pensamentos levar-me-ão à loucura! Oh Lear, Lear, Lear! Bate a esse portão que deixou entrar a loucura e sair o juízo valioso. Não me deixes ficar louca, louca, oh doce céu! Mantém-me a razão, eu não quero ficar louca!
As roupas esfarrapadas deixam ver os vícios. As togas e os casacos de peles tudo escondem. Revestem os pecados de ouro e a poderosa lança da justiça quebra-se sem os atingir; se os revestirdes de farrapos a palha de um pigmeu os traspassa.
Fingiam concordar com tudo o que eu dizia. Diziam-me que eu era tudo; é mentira, eu não sou à prova de febre. A sua voz sempre foi tão doce, suave e grave, uma coisa excelente numa mulher. Nunca mais voltarás! Nunca, nunca, nunca, nunca! Vedes isto? Olhai para ela, olhai! Os seus lábios! Olhai! Olhai!

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